Por Leo Godinho
A mais recente movimentação do Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar a regra que impede ministros recém-empossados de votarem em processos julgados parcialmente antes de sua chegada à Corte levanta questões inquietantes sobre a estabilidade do entendimento jurídico no Brasil. A regra, adotada em 2022 e agora em vias de ser revisada, demonstra como decisões de grande impacto institucional podem ser moldadas conforme os ventos da política – uma prática que enfraquece a segurança jurídica e alimenta a desconfiança da população nas instituições.
A brevidade dos entendimentos jurídicos
A regra, apelidada de “anti-André Mendonça e Kassio Nunes Marques”, foi instituída durante o governo de Jair Bolsonaro, supostamente para conter a influência de ministros indicados por ele em processos de alta relevância. Apenas dois anos depois, com a chegada de ministros indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva – Flávio Dino e Cristiano Zanin –, o mesmo STF sinaliza sua disposição em revogar essa norma, o que permitiria a participação imediata dos novos integrantes em julgamentos que já estavam em andamento.
Essa mudança de entendimento, em tão curto espaço de tempo, lança luz sobre um problema estrutural no sistema jurídico brasileiro: o uso de regras e interpretações jurídicas como instrumentos de conveniência política. Em que lugar do mundo, salvo em regimes ditatoriais mais explícitos, a jurisprudência de uma Suprema Corte tem duração tão efêmera?
Ministros ou Guardiões da Constituição?
O papel do STF é claro e vital: ser o guardião da Constituição. Entretanto, as constantes alterações de posicionamento, muitas vezes alinhadas a interesses conjunturais, diluem essa função primordial. Quando os próprios ministros parecem agir mais como agentes políticos do que como defensores imparciais do texto constitucional, o tribunal perde credibilidade e coloca em risco o princípio de separação dos poderes.
A crescente politização do STF tem levado a decisões que, aos olhos da sociedade, não refletem uma aplicação neutra da lei, mas sim a defesa de interesses alinhados às circunstâncias políticas do momento. Isso é preocupante, pois mina a confiança popular na justiça – um dos pilares de qualquer democracia funcional.
Quem regula os reguladores?
O problema se agrava na ausência de mecanismos eficazes de controle ou supervisão dos próprios ministros do STF. No Brasil, os ministros gozam de um grau de autonomia e estabilidade praticamente absoluto, sem que haja uma instância superior ou qualquer forma prática de responsabilização. Essa situação cria um cenário onde interpretações constitucionais podem ser alteradas ao sabor das conveniências, sem temor de consequências.
Em democracias maduras, o equilíbrio de poderes é mantido por meio de sistemas robustos de controle e accountability. No entanto, no Brasil, a ausência de limites claros para os ministros do STF reforça a percepção de que a Corte atua como um poder acima dos demais – algo que fragiliza o equilíbrio institucional.
O preço da instabilidade jurídica
Quando decisões jurídicas podem ser facilmente revistas para acomodar interesses políticos, todos perdem. A sociedade brasileira, já habituada a mudanças frequentes nas regras do jogo, se vê ainda mais vulnerável em um ambiente de instabilidade jurídica. Isso não apenas enfraquece a confiança nos tribunais, mas também dificulta a construção de uma democracia robusta, onde as instituições operam de maneira previsível e confiável.
Conclusão: Um STF à altura da Constituição
A função do STF como guardião da Constituição deve transcender interesses políticos e conjunturais. Para tanto, é essencial que seus ministros se comprometam com a estabilidade e a coerência das decisões, resistindo às pressões externas e internas que possam comprometer a integridade da Corte.
A revisão da regra “anti-Mendonça e Kassio” não é apenas um episódio isolado, mas um reflexo de uma crise maior: a dificuldade de separar a política do direito no Brasil. Se não houver uma mudança significativa na postura institucional, a confiança pública no STF continuará a se deteriorar – um custo que o país não pode se dar ao luxo de pagar.