Por Leo Godinho
Introdução
O conservadorismo, enquanto corrente política e filosófica, busca a preservação das tradições e das estruturas sociais que, ao longo do tempo, demonstraram ser fundamentais para a estabilidade e a prosperidade das sociedades. Sua origem está ligada a um período de grandes transformações políticas e sociais, especialmente após a Revolução Francesa. Neste contexto, o conservadorismo surge como uma reação cautelosa às promessas de mudança radical, defendendo uma abordagem mais gradual e fundamentada na experiência acumulada pelas gerações.
O Surgimento Histórico do Conservadorismo
O marco do surgimento do conservadorismo está, sem dúvida, na Revolução Francesa. Enquanto o Iluminismo trazia consigo um otimismo radical quanto à razão humana e à capacidade de moldar um novo mundo, a revolução francesa colocou à prova os limites desse idealismo. A tentativa de reconstruir a sociedade a partir do zero gerou uma turbulência social e política sem precedentes, o que levou muitos pensadores a refletirem sobre as consequências de desconsiderar a sabedoria das gerações anteriores.
É nesse cenário que Edmund Burke, um dos principais filósofos políticos conservadores, se destaca. Com sua obra Reflexões sobre a Revolução na França (1790), Burke critica a destruição das instituições tradicionais e a busca por uma revolução total. Para Burke, a ordem social e política deveria evoluir de maneira gradual, respeitando as tradições que já haviam provado seu valor ao longo dos séculos. O conservadorismo, então, surge como uma resposta a esse impulso revolucionário, que parecia ignorar as lições do passado e os riscos de mudanças abruptas.
Além disso, o conservadorismo foi moldado pelo desejo de preservar instituições fundamentais como a monarquia, a religião e a família, pilares que, para muitos pensadores conservadores, eram indispensáveis para a coesão e estabilidade da sociedade.
Os Princípios Fundamentais do Conservadorismo
O conservadorismo, embora não seja uma ideologia homogênea, possui alguns princípios que o norteiam:
- Valorização da Tradição: O respeito pelas instituições e práticas que, ao longo do tempo, provaram ser essenciais para a estabilidade social.
- Ceticismo quanto às Mudanças Abruptas: O conservadorismo desconfia das reformas radicais e vê nelas um risco para a ordem social estabelecida.
- Pragmatismo: Em vez de buscar utopias idealizadas, o conservadorismo busca soluções práticas e realistas que respeitem a complexidade da vida social e política.
- Hierarquia e Ordem: Para os conservadores, uma sociedade bem-sucedida depende da manutenção de uma ordem hierárquica que organize os diferentes papéis e responsabilidades dos indivíduos.
- Importância da Religião e da Moralidade: A moralidade e a religião são vistas como pilares necessários para a coesão social, oferecendo um sentido comum para os membros da sociedade.
Principais Pensadores Conservadores
- Edmund Burke (1729-1797): Considerado o pai do conservadorismo moderno, Burke fundamenta seu pensamento na necessidade de respeitar as tradições e resistir a mudanças radicais. Ele acreditava que a sociedade não deveria ser reinventada, mas sim aprimorada com base em sua experiência histórica.
- Joseph de Maistre (1753-1821): De Maistre criticou veementemente o Iluminismo e a Revolução Francesa, defendendo a autoridade da monarquia e a necessidade de uma sociedade ordenada por uma autoridade central forte. Para ele, a religião e a monarquia eram as chaves para a estabilidade social.
- Alexis de Tocqueville (1805-1859): Embora não fosse um conservador puro, Tocqueville ofereceu insights valiosos sobre os perigos do individualismo e da uniformidade democrática. Seu trabalho A Democracia na América destacou os desafios de uma sociedade democrática e a importância das instituições intermediárias.
- Russell Kirk (1918-1994): Kirk revitalizou o conservadorismo no século XX, com sua obra The Conservative Mind. Para ele, o conservadorismo deveria ser entendido como uma filosofia que valoriza a continuidade das tradições e que rejeita a ideia de reformas rápidas ou radicais.
- Michael Oakeshott (1901-1990): Oakeshott é um dos pensadores mais importantes do conservadorismo contemporâneo. Ele defendia que o conservadorismo era uma forma de ceticismo em relação a ideologias políticas que tentavam moldar a sociedade com base em ideais abstratos e utópicos. Para Oakeshott, a política deveria ser uma atividade prática, adaptada às realidades históricas de cada momento.
O Conservadorismo no Brasil: Confusão e Desafios
Embora o conservadorismo tenha raízes profundas no pensamento ocidental, sua implementação e entendimento no Brasil são ainda incipientes e frequentemente mal compreendidos. O país, que vivenciou intensas mudanças políticas nas últimas décadas, como a redemocratização e o fenômeno da globalização, viu emergir um movimento conservador que busca recuperar tradições culturais, sociais e religiosas. Contudo, esse movimento ainda está em processo de formação e enfrenta uma série de desafios.
Uma das dificuldades centrais no Brasil é a confusão entre os conceitos de conservadorismo, reacionarismo e comunitarismo, que são usados de maneira imprecisa, muitas vezes até de forma pejorativa.
- O conservadorismo busca a preservação das instituições que têm demonstrado eficácia e estabilidade, respeitando a gradualidade nas transformações sociais.
- O reacionarismo, por outro lado, é muitas vezes associado a uma resistência intransigente às mudanças, com a tentativa de restaurar um passado idealizado que pode ser irrealista ou até inatingível. A linha entre conservadorismo e reacionarismo é tênue, e muitas vezes, pessoas que defendem a preservação das tradições são rotuladas como reacionárias sem uma análise mais cuidadosa.
- O comunitarismo, por sua vez, é uma corrente que valoriza a importância da comunidade e do bem comum, mas que em alguns contextos tem sido confundido com conservadorismo devido à ênfase na coesão social e nos valores tradicionais.
Essa confusão tem dificultado o entendimento claro e coeso do conservadorismo no Brasil, com muitos que se dizem conservadores sendo, na prática, mais próximos do reacionarismo. Além disso, a recente ascensão de algumas figuras públicas que se identificam como conservadoras tem gerado uma polarização política que, muitas vezes, ignora as bases filosóficas do conservadorismo em prol de uma retórica mais agressiva e polarizante.
Conclusão
O conservadorismo, com sua ênfase na preservação das tradições e na prudência nas mudanças, oferece uma abordagem distinta às grandes questões políticas e sociais. Sua força reside na valorização do que é duradouro e na rejeição das soluções imediatistas e radicalmente utópicas. Ao longo dos séculos, pensadores conservadores ofereceram importantes contribuições para a reflexão sobre o papel da política, das instituições e da moralidade na construção de uma sociedade estável.
No Brasil, o conservadorismo ainda se encontra em um estágio de desenvolvimento, muitas vezes confundido com outras correntes políticas. O desafio está em consolidar uma visão mais clara e fundamentada do que significa ser conservador em um país com uma história tão única e complexa. O conservadorismo, embora frequentemente incompreendido ou criticado, continua sendo uma força fundamental na compreensão das dinâmicas sociais e políticas que enfrentamos hoje.