Por Leo Godinho
O recente episódio envolvendo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, no show de Caetano Veloso e Maria Bethânia, levantou questões que vão muito além do evento cultural em si. Recebido com gritos de “sem anistia” por parte do público, Moraes simboliza atualmente o poder concentrado do Judiciário brasileiro, ao passo que a sociedade vive um momento de tensão entre demandas de justiça e as contradições históricas do país.
O público e suas contradições
O perfil do público presente em um show como o de Caetano Veloso e Maria Bethânia é emblemático. Com ingressos variando entre R$ 135,00 e mais de R$ 1.490,00, é evidente que os frequentadores pertencem às camadas de maior poder aquisitivo do país. Além disso, este é um segmento predominantemente alinhado à esquerda progressista, mas muitas vezes desconectado das demandas reais das massas populares, embora o público presente no show seja majoritariamente de alta renda e ideologicamente alinhado à esquerda, há uma camada que pode estar apenas culturalmente conectada ao evento, sem um envolvimento político direto.
Esse distanciamento não é novidade. Em um país marcado por desigualdades extremas, eventos como este revelam um recorte de classe que, ainda que aplauda pautas sociais, está longe de vivenciar os impactos das crises econômicas, fiscais e sociais que afetam a maioria dos brasileiros.
Dosimetria e punições: Um campo de debate
Os gritos de “sem anistia” dirigidos a Moraes ecoam a tensão em torno das penas aplicadas aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro. A dosimetria dessas sentenças tem sido alvo de críticas por parte de especialistas e da população, tanto pelo rigor quanto pela ausência de proporcionalidade em alguns casos.
Casos como o de uma cabeleireira condenada a 17 anos de prisão por vandalizar uma estátua com batom — um ato condenável, mas que levanta questionamentos sobre o exacerbado rigor da pena —, ou o de Clésio de Andrade, que faleceu na prisão mesmo após um parecer da Procuradoria-Geral da República recomendando tratamento de saúde fora do sistema carcerário, evidenciam as controvérsias no processo punitivo atual.
Se, por um lado, é inegável a necessidade de responsabilização, por outro, é urgente refletir sobre como esse tratamento pode gerar precedentes perigosos. A concentração de poder no STF e o papel de Moraes nesse contexto são aspectos que não podem ser ignorados.
O passado se repete: Anistias e contradições históricas
Interessante notar que muitos dos militantes que hoje clamam por “sem anistia” foram beneficiários da anistia decretada pelo presidente João Figueiredo, nos anos finais do regime militar. Naquela época, a medida permitiu o retorno de lideranças políticas exiladas e consolidou o processo de redemocratização.
Essa contradição expõe a seletividade com que os discursos de justiça e anistia são mobilizados. O que outrora foi visto como avanço democrático, hoje é negado sob a égide de uma busca por justiça que pode se mostrar igualmente punitiva e, no limite, antidemocrática.
Concentração de poder: Um risco latente
A concentração de poder em um único ramo do Estado é sempre perigosa. O Judiciário, em especial o STF, tem desempenhado um papel que transcende suas atribuições constitucionais, assumindo funções quase legislativas e executivas. Essa expansão de competência pode ser comemorada pelos militantes que hoje se sentem representados, mas o histórico mostra que o mesmo aparato pode se voltar contra aqueles que o apoiam quando os ventos políticos mudam.
Além disso, a presença de Alexandre de Moraes em um evento tão ideologizado e o tratamento quase heróico recebido por parte do público suscitam dúvidas sobre a liturgia de seu cargo. Embora o ministro, assim como qualquer cidadão, tenha direito ao lazer, essa postura pode ser interpretada como um sinal de parcialidade, reforçando a percepção de politização do Judiciário. É importante ressaltar que críticas semelhantes foram feitas a Sérgio Moro — então juiz e hoje senador — quando este se tornou o centro de atenção midiática durante a Operação Lava Jato.
A Crise real: Uma cortina de fumaça
Enquanto isso, o Brasil enfrenta uma crise econômica e fiscal sem precedentes recentes. A alta dos juros, a desvalorização do real frente ao dólar e o retorno da inflação impactam diretamente a vida da população. Entretanto, a narrativa política permanece focada em “presos políticos” e em tramas que, muitas vezes, carecem de provas robustas ou sequer se concretizaram.
Essa cortina de fumaça desvia a atenção dos problemas estruturais do país, ao mesmo tempo que fortalece a divisão política e ideológica. Em vez de um debate sólido e construtivo, perpetua-se um ciclo de polarização que dificulta soluções reais.
Considerações Finais
O episódio no show de Caetano Veloso e Maria Bethânia é um microcosmo das contradições brasileiras. Entre gritos de “sem anistia”, concentração de poder e uma crise econômica mascarada, o país precisa urgentemente reavaliar seus rumos. A história mostra que soluções simplistas e polarizações exacerbadas tendem a levar a ciclos de instabilidade. E cabe à sociedade civil, em sua pluralidade, exigir um caminho mais equilibrado e democrático.
Se as instituições democráticas continuarem reféns de suas próprias contradições, o Brasil corre o risco de perpetuar um ciclo vicioso de crises e retrocessos.
Meus parabéns pela análise sensata. É necessário levar este conteúdo às massas!