Medida faz parte de uma ampla reforma constitucional proposta pelo governo de esquerda; oposição enxerga tentativa de controle do Judiciário
Com indícios de baixa participação popular, o México realizou neste domingo (1º) uma eleição inédita para a escolha de juízes em todo o país. Ao todo, cerca de 2.680 cargos foram submetidos ao voto direto da população, incluindo ministros da Suprema Corte e juízes de primeira instância.
A medida faz parte de uma ampla reforma constitucional idealizada pelo ex-presidente Andrés Manuel López Obrador e defendida pelo atual governo de Claudia Sheinbaum como uma estratégia para combater a corrupção e promover maior transparência no Judiciário. No entanto, a iniciativa tem gerado críticas entre especialistas, juristas e setores da sociedade civil.
A principal preocupação está relacionada à possível perda de independência do Poder Judiciário diante da influência de partidos políticos e do crime organizado. Segundo relatos de observadores eleitorais, a adesão popular foi baixa. Funcionários de seções eleitorais na Cidade do México estimaram que, até a metade do dia, menos de 10% dos eleitores registrados haviam comparecido às urnas. A taxa oficial de participação só deve ser divulgada à meia-noite (horário local), mas o Instituto Nacional Eleitoral estima um comparecimento entre 13% e 20%.
A dificuldade do eleitorado em conhecer os candidatos foi outro ponto de crítica. “Você não conhece os candidatos, exceto os que faziam vídeos no TikTok”, disse a advogada Leslie Moreno, de 30 anos, ilustrando a falta de informação e visibilidade dos concorrentes.
A eleição marcou também o retorno de López Obrador à cena pública, após oito meses afastado. Ele participou ativamente da campanha em defesa da reforma. Já a presidente Claudia Sheinbaum, sua sucessora, votou na capital e afirmou que a proposta representa “um avanço contra a impunidade”. “Nada mais falso”, rebateu ela, ao comentar as acusações de que a medida favorece o partido governista.
Do outro lado, a oposição classificou a votação como uma tentativa do Executivo de controlar o Judiciário. Centenas de manifestantes marcharam pelas ruas da Cidade do México em protesto. “Era o último contrapeso que tínhamos contra o totalitarismo”, declarou Ismael Novela, de 58 anos.
Especialistas também apontam riscos à imparcialidade do sistema judicial. Margaret Satterthwaite, relatora especial da ONU para a independência de juízes e advogados, alertou que a eleição direta “traz o risco de o eleitorado não escolher com base no mérito”.
O governo, por sua vez, argumenta que o modelo atual já é vulnerável à corrupção e que a escolha direta aumenta o escrutínio público sobre os magistrados. Para se candidatar, era necessário ter diploma em direito, experiência profissional, reputação ilibada e ficha criminal limpa.
Segundo o Instituto Nacional Eleitoral, o processo representou um “desafio sem precedentes”. A previsão é que, em 2027, mais 4 mil cargos judiciais sejam submetidos à votação popular, consolidando o novo formato.