Por Leo Godinho

O Judiciário brasileiro é frequentemente objeto de críticas devido a sua lentidão, parcialidade e distanciamento das demandas sociais. Essas disfuncionalidades, no entanto, não são um fenômeno recente; elas estão enraizadas em uma combinação complexa de fatores históricos, sociológicos e antropológicos que moldaram a estrutura e o funcionamento do sistema judicial no Brasil. Este artigo propõe uma análise profunda dessas questões, relacionando-as à esfera política e às camadas de poder que, historicamente, têm controlado o país. 

1. Uma Perspectiva Histórica: O Legado Colonial e a Consolidação do Poder 

A estrutura do Judiciário brasileiro é herdeira direta das instituições coloniais portuguesas. Durante o período colonial, o sistema de justiça era profundamente ligado aos interesses da Coroa e das elites locais. As “Casas de Relação” e as Câmaras Municipais não apenas administravam a justiça, mas também serviam para consolidar o controle das oligarquias regionais. Com a independência e a posterior proclamação da República, essas estruturas foram formalmente transformadas, mas a influência das elites permaneceu intacta. 

Ao longo do século XX, a política de alianças regionais e o coronelismo continuaram a influenciar o sistema judicial. Mesmo após a redemocratização, o Judiciário não se tornou completamente independente, sendo frequentemente acusado de servir aos interesses dos grupos políticos e econômicos que controlam o país. 

2. O Impacto Sociológico: Desigualdade no Acesso à Justiça 

Um dos principais problemas do Judiciário brasileiro é a desigualdade no acesso à justiça. Estudos indicam que processos judiciais favorecem, em muitos casos, aqueles que possuem maior capacidade financeira para contratar advogados influentes ou manipular brechas legais. As elites políticas e econômicas, frequentemente representadas por famílias tradicionais em determinadas regiões, conseguem impor suas agendas e escapar de condenações. 

Enquanto isso, populações mais vulneráveis enfrentam dificuldades em questões básicas, como a obtenção de defensores públicos ou o acompanhamento adequado de seus casos. Essa disparidade não é apenas um reflexo de problemas econômicos, mas também de uma estrutura social que perpetua desigualdades históricas. 

3. Aspectos Antropológicos: Cultura e Relações de Poder 

O funcionamento do Judiciário no Brasil também está profundamente ligado a fatores culturais e antropológicos. O “jeitinho brasileiro” é uma expressão que ilustra bem a maneira como muitos cidadãos tentam contornar as regras em benefício próprio. No âmbito judicial, essa cultura se manifesta por meio de relações clientelistas, onde favores pessoais e conexões políticas frequentemente superam a busca pela justiça imparcial. 

Ademais, em várias regiões do país, famílias tradicionais continuam exercendo influência significativa no sistema judicial. Essas famílias não apenas controlam a economia local, mas também mantêm laços estreitos com juídices, promotores e outros atores importantes do Judiciário, perpetuando uma relação de poder que beneficia poucos em detrimento da maioria. 

4. Conexão com a Esfera Política: O Judiciário como Ferramenta de Poder 

O Judiciário brasileiro não é um ente isolado; ele interage constantemente com os outros poderes. Em muitas situações, ele é utilizado como uma ferramenta política, seja para deslegitimar adversários ou para proteger aliados. Casos emblemáticos, como a Lava Jato, demonstram como as decisões judiciais podem ter impactos políticos profundos, influenciando eleições e mudando o curso da história nacional. 

Por outro lado, a politização do Judiciário também leva à desconfiança popular, alimentando a percepção de que a justiça é seletiva e que “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”. 

As discrepâncias do Judiciário brasileiro são o resultado de um processo histórico que combinou desigualdades estruturais, influências culturais e relações de poder profundamente enraizadas. Para que essas disfuncionalidades sejam efetivamente enfrentadas, é necessário não apenas reformar as instituições, mas também transformar as relações sociais que as sustentam. Sem isso, o sistema judicial continuará sendo um reflexo das desigualdades e contradições que marcam o Brasil. 

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