Decisão do ministro do STF sobre casos da época do regime militar classifica este tipo de crime como permanente enquanto os corpos das vítimas não forem encontrados.
Por Leo Godinho
Fonte Jovem Pan
O ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), emitiu uma decisão que pode reconfigurar a interpretação jurídica sobre crimes de ocultação de cadáveres cometidos durante a ditadura militar no Brasil. Dino argumentou que a Lei da Anistia não se aplica a esses casos, classificando-os como crimes permanentes enquanto os corpos das vítimas não forem encontrados. A decisão ocorreu no contexto de um recurso extraordinário envolvendo os ex-militares Sebastião Curió Rodrigues de Moura, conhecido como Major Curió, e o tenente-coronel Lício Augusto Ribeiro Maciel, acusados de participação na repressão à Guerrilha do Araguaia na década de 1970.
A denúncia havia sido rejeitada em instâncias inferiores, mas o caso chegou ao STF após recurso da defesa. Dino defendeu que, embora a Lei da Anistia de 1979 tenha extinguido crimes cometidos antes de sua promulgação, a ocultação de cadáveres é um crime de natureza permanente, pois o desaparecimento impede as famílias de viverem plenamente o luto, mantendo o delito em estado de continuidade. Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil, exigindo investigações e punições mais severas para desaparecimentos forçados ocorridos durante o regime militar.
A decisão também fez referência ao filme “Ainda Estou Aqui”, que aborda o desaparecimento do deputado Rubens Paiva durante a ditadura. O longa-metragem é um símbolo cultural e histórico das dores que muitas famílias ainda enfrentam em busca de justiça. Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade reconheceu 434 mortes e desaparecimentos de vítimas do período ditatorial, sendo que 216 permanecem desaparecidas.
Com a repercussão da decisão, o STF deverá analisar se crimes considerados permanentes, como a ocultação de cadáveres, podem ou não ser alcançados pela Lei da Anistia. Tal entendimento pode abrir precedentes para novas investigações e julgamentos de casos semelhantes no país.
Crimes cometidos pelos grupos revolucionários
Embora a decisão foque nos crimes cometidos por agentes do regime militar, é importante ressaltar que a violência também fez vítimas fora do aparato estatal. Muitas mortes, inclusive antes do AI-5, estão associadas às ações de grupos revolucionários de esquerda, o que levanta questionamentos sobre a continuidade das investigações e a responsabilização desses crimes.
Exemplos de vítimas antes do AI-5 (1968):
- 12/11/1964 – Paulo Macena, vigia – RJ
Morto por explosão de uma bomba deixada por organização comunista nunca identificada, em protesto contra a aprovação da Lei Suplicy. - 27/07/1966 – Milton Leão, soldado – SP
Assassinado durante tentativa de assalto ao quartel de Quitaúna, região de Osasco, por militantes da esquerda armada. - 01/03/1968 – Cláudio Manuel de Sá Santana, civil – RJ
Morto por atentado à bomba em um cinema no centro do Rio de Janeiro.
Estimativas de vítimas da esquerda armada
Além dos exemplos citados, estima-se que cerca de 120 pessoas foram mortas por ações de grupos de esquerda armada durante o regime militar (1964-1985). Deste total:
- 61 eram militares e policiais;
- 59 eram civis, entre eles profissionais de diversas áreas, como bancários, donas de casa, taxistas e empresários.
Casos notórios incluem a morte de estrangeiros, como um marinheiro britânico, um capitão americano e um major alemão, vítimas colaterais de explosões e ações violentas. Grande parte dos civis foi morta por estar no lugar errado, na hora errada, como próximo a explosões de bombas.
A lista mais completa das pessoas mortas por grupos de esquerda armada está disponível no site Terrorismo Nunca Mais (Ternuma), um grupo formado por civis e militares que se posicionam contra o que consideram omissões das autoridades sobre tais vítimas.
Enquanto os militantes de esquerda se autodenominavam “guerrilheiros”, as forças policiais e militares os classificavam como “terroristas”. A ausência de consenso sobre o número total de vítimas, tanto da repressão estatal quanto das ações dos grupos revolucionários, continua sendo um tema sensível e complexo.
A discussão em torno da Lei da Anistia, portanto, abrange não apenas os atos do Estado, mas também a violência praticada por aqueles que o combatiam. O equilíbrio e a imparcialidade na revisão histórica são essenciais para garantir a verdadeira justiça.