Continuação mistura nostalgia e inovação, mas enfrenta desafios para justificar sua existência.

Por Marcellus Vinícius
10.dez.24 às 17h16 | Atualizado há 3 dias

As desventuras de João Grilo e Chicó, protagonistas de O Auto da Compadecida, são parte do imaginário nacional há mais de duas décadas. Interpretados magistralmente por Matheus Nachtergaele e Selton Mello, esses personagens conquistaram espaço permanente na dramaturgia brasileira, reforçados pelas inúmeras reprises na televisão aberta.

Agora, com O Auto da Compadecida 2, a narrativa retorna ao sertão nordestino para revisitar e expandir esse legado, enfrentando a difícil missão de equilibrar o frescor da novidade com a nostalgia do familiar. Apesar de tropeços, especialmente no roteiro, o filme consegue emocionar, divertir e preservar a essência do original.


O retorno de João Grilo

A trama se passa 20 anos após os eventos do primeiro filme, na cidade de Taperoá. Chicó (Selton Mello) leva uma vida simples, vendendo santinhos e contando histórias que perpetuam o mito do desaparecido João Grilo (Matheus Nachtergaele).

O sertão enfrenta as transformações culturais e tecnológicas dos anos 1950, representadas por uma disputa de poder: o coronel Ernani (Humberto Martins) simboliza o decadente coronelismo, enquanto Arlindo (Eduardo Sterblitch), dono da única rádio local, encarna o avanço dos meios de comunicação. O retorno inesperado de João Grilo reaquece as tensões, trazendo novas intrigas, enquanto Chicó se vê dividido entre velhas e novas lealdades.

Rosinha (Virgínia Cavendish) também volta à cena, encontrando em Clarabela (Fabíula Nascimento) uma rival inesperada pelo amor de Chicó, adicionando camadas cômicas e dramáticas à história.


Roteiro e elenco

O roteiro, escrito a quatro mãos, é um dos pontos mais frágeis do filme. Tentando atender às expectativas de honrar a obra de Ariano Suassuna, respeitar o legado do original e introduzir novidades, o texto frequentemente soa apressado e sem foco, especialmente no início.

Apesar disso, o elenco talentoso compensa as falhas narrativas, entregando atuações que misturam teatralidade e profundidade emocional. Nachtergaele e Mello continuam brilhantes em seus papéis, enquanto o elenco de apoio enriquece a dinâmica com performances inspiradas.


Estética e realismo fantástico

Um dos elementos mais marcantes desta sequência é a decisão de filmar em estúdio e utilizar animações em stop motion para narrar as mentiras estilizadas de Chicó. Essa escolha reforça a atmosfera de cordel fantástico, marcando um distanciamento da crueza do primeiro filme e mergulhando em um realismo mágico que se encaixa perfeitamente no tom mítico da história.

Embora disruptiva, a estética funciona bem para destacar a evolução das histórias e o contraste entre a realidade e as fantasias que Chicó e João Grilo tecem.


Temas sociais e religião

Tal como no primeiro filme, O Auto da Compadecida 2 equilibra humor e crítica social. A disputa entre coronelismo e modernidade reflete questões ainda atuais, como o uso político da truculência e a manipulação da verdade pelos meios de comunicação.

A religião, novamente, é abordada como um elemento central — tanto como ferramenta de poder quanto como veículo para explorar as contradições humanas. O reencontro de João Grilo com a Compadecida, agora interpretada por Taís Araújo, reforça essa abordagem, embora a repetição do formato deixe o filme previsível em alguns momentos.


Conclusão: nostalgia e legado

Apesar das limitações, O Auto da Compadecida 2 cumpre o papel de celebrar a brasilidade e resgatar a simplicidade cativante de personagens que se tornaram icônicos. Em um cenário de crescente intolerância e divisões, o filme surge como um lembrete bem-humorado e nostálgico da riqueza cultural do Brasil.

Embora não alcance a grandiosidade do original, a sequência é uma homenagem digna, que consegue preservar e expandir o legado de João Grilo e Chicó no imaginário popular.

Estreia nos cinemas em 25 de dezembro.

Fonte: https://www.jovemnerd.com.br/noticias/filmes/o-auto-da-compadecida-2-critica

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